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Quem inventou a matemática?

  • Foto do escritor: Aline Matheus
    Aline Matheus
  • 11 de nov.
  • 3 min de leitura

“Foi Arquimedes que inventou a matemática, não foi?”

A pergunta veio do meu querido vizinho Renato, de apenas 8 anos. Fiquei encantada com a cultura do menino, que já associa Arquimedes a um grande matemático da Antiguidade. Mas o que mais me tocou foi a ingenuidade por trás da pergunta — uma mistura de curiosidade genuína e admiração pelo conhecimento humano.

Ao longo da minha vida de professora, já ouvi perguntas parecidas muitas vezes: “Quem inventou a matemática?”, “Quem descobriu o zero?”, “De onde vieram os números?” E, no fundo, todas essas perguntas apontam para uma mesma inquietação: de onde vem essa coisa que chamamos de matemática?

É fácil para uma criança imaginar que tenha existido um “inventor”, um grande gênio que, em algum momento distante, tenha criado a matemática de uma vez por todas. Mas a verdade é bem mais bonita. Não houve um inventor único. A matemática existe onde existem seres humanos. Ela nasceu da necessidade — e também da curiosidade — de compreender, medir, comparar, registrar e prever. Contar e medir são ações tão antigas quanto a própria vida em sociedade.

Com o passar do tempo, à medida que as civilizações se tornaram mais complexas, a matemática também se sofisticou. Povos diferentes, em épocas e lugares distintos, criaram matemáticas sob medida para suas próprias necessidades, crenças e modos de ver o mundo. Os babilônios desenvolveram sistemas de numeração baseados em 60; os egípcios mediam terras e construíam pirâmides com notável precisão; os gregos transformaram números em figuras e raciocínios em demonstrações; povos africanos desenhavam figuras simétricas chamadas sona, cheias de beleza e regularidade; os árabes inventaram o zero e disseminaram a álgebra pelo mundo.

Cada grupo humano — antigo ou contemporâneo — inventou um pouco de matemática. E continua inventando.

Essa pluralidade é o que inspira o nome deste blog: “Matemática pra quem?” Um modo de reconhecer que, embora a matemática seja para todos, ela não é a mesma para todos. Ela se reinventa conforme a cultura, o contexto, o propósito e até a sensibilidade de quem a pratica.

Há um campo de pesquisa que se dedica justamente a estudar isso: a etnomatemática. Ela busca compreender as diferentes matemáticas criadas e usadas por diversos grupos culturais — sejam povos originários, comunidades tradicionais, profissionais de ofícios específicos ou grupos urbanos contemporâneos. A etnomatemática pode, por exemplo, estudar tanto o sistema de contagem de uma tribo amazônica quanto a geometria praticada por pedreiros da periferia de São Paulo. Cada uma delas revela uma maneira singular de pensar o mundo com ideias matemáticas.

Mas há também a Matemática — geralmente escrita assim, com M maiúsculo — aquela que reconhecemos como disciplina acadêmica, com seus teoremas, axiomas e demonstrações. Essa forma de matemática, de origem grega e tradição predominantemente europeia, constrói-se sobre um modo muito específico de produzir e validar conhecimento: um edifício lógico em que cada teorema repousa sobre outro, sustentado, por fim, em postulados aceitos como verdades iniciais. É uma matemática formal, abstrata, rigorosa e muito abrangente, que se tornou predominante nas universidades e influenciou fortemente o que hoje chamamos de matemática escolar.

Ainda assim, a matemática praticada na escola não é idêntica à matemática acadêmica. Ela tem suas próprias intenções, linguagens, ritmos e níveis de rigor, definidos pela interação entre professores e alunos, pela necessidade de ensinar e aprender, de errar e recomeçar, de dar sentido. É uma matemática viva, que pulsa nas salas de aula, nas dúvidas, nas descobertas e até nas perguntas ingênuas — como a do Renato.

Tomar consciência de que existem muitas matemáticas — culturais, acadêmicas, escolares, cotidianas — é libertador. Amplia o olhar e desmonta estereótipos: a ideia de que a matemática é fria, inacessível ou reservada a poucos. Ao contrário, ela é uma das expressões mais humanas da nossa capacidade de pensar, criar e buscar sentido.

Há quem diga que a matemática foi descoberta, como se sempre estivesse lá, escondida nas formas da natureza, nos ciclos do tempo, nas proporções das flores e das conchas. Outros preferem dizer que foi inventada, uma criação humana para organizar o mundo à sua volta. Talvez ambas as coisas sejam verdade: descobrimos o que somos capazes de inventar.

E, se olharmos bem, há matemática em tudo: no tempo que esperamos o café passar, na estimativa da distância até o ponto de ônibus, na simetria dos azulejos da cozinha, na contagem mental que fazemos ao jogar baralho... A matemática não está fora de nós — ela é uma linguagem do nosso próprio modo de viver.

Então, voltando à pergunta do Renato...Quem inventou a matemática?

Fomos nós, os humanos, Renato — todos nós. E a boa notícia é que ainda há muita matemática por inventar. Quem sabe você não vai inventar um pouquinho também?

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