Pessoas comuns também fazem matemática
- Aline Matheus
- 11 de nov.
- 4 min de leitura
Hoje, li uma notícia inspiradora: enquanto estudava para a OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), o jovem Rafael Kessler, de apenas 11 anos, criou uma fórmula matemática para determinar a quantidade de palitos necessária para formar quadriculados quadrados ou retangulares:

onde x e y são as dimensões do quadriculado que se deseja formar.
Por exemplo, digamos que você queira usar palitos para formar um quadriculado retangular 3 × 2, como ilustrado a seguir:

A fórmula Kessler, como foi nomeada, indica que precisaremos de:

Você pode conferir manualmente — e verá que a fórmula funciona. Mas a beleza da descoberta de Rafael está no fato de que ela funciona sempre, permitindo abarcar casos com dimensões muito grandes, nos quais a contagem manual seria inviável.
Rafael observou uma regularidade simples e elegante: ao aumentar uma linha ou uma coluna, o número de palitos cresce segundo um padrão que pôde ser expresso nessa bela relação algébrica. É um exemplo precioso de como a curiosidade pode gerar matemática nova — mesmo a partir de algo aparentemente banal.
Para verificar que essa fórmula realmente vale sempre, podemos usar indução matemática. Deixo essa tarefa aos leitores interessados.
Mas o que me interessa aqui é outra coisa: refletir sobre a possibilidade de “pessoas comuns” fazerem matemática.
Muitas vezes, a matemática é tratada, na escola, como um conjunto de fatos, conceitos e resultados descobertos por outras pessoas — sem que os estudantes tomem parte no processo de construção e validação do conhecimento matemático que estudam. Isso pode dar a impressão de que a matemática é feita por gênios, especialmente gênios do passado — um tipo de ser humano quase de outro mundo.
Isso, porém, é um mito.
O Rafael não é um caso isolado. A inteligência e a aptidão humanas para a matemática dão as caras frequentemente em lugares inesperados. Lembrei-me, por exemplo, do problema do ladrilhamento do plano por pentágonos, cuja solução contou com a preciosa contribuição de uma dona de casa de San Diego, Marjorie Rice, que não tinha nenhuma formação matemática além da educação básica.
Hoje, sabemos que existem apenas quinze tipos de pentágonos convexos capazes de ladrilhar o plano, e quatro deles foram descobertos por Marjorie — que desenvolveu métodos e notações próprias para estudar o problema, munida apenas de lápis, papel e tenacidade.
Marjorie havia lido um artigo de Martin Gardner, publicado na revista Scientific American em 1975, sobre o ladrilhamento por pentágonos convexos. O texto a inspirou profundamente. E não foi só ela: um programador chamado Richard James, também instigado pelo artigo de Gardner, descobriu outro tipo de pentágono entre os quinze que ladrilham o plano.
Outro caso que me veio à memória não é tão surpreendente, uma vez que é protagonizado por um professor de matemática, mas não deixa de ilustrar que a prática matemática é algo vivo e acessível a todos. O professor americano de origem chinesa Po-Shen Loh, em 2019, descobriu um novo método para resolver equações quadráticas, como descrevi em outro post deste blog.
Voltando a grandes nomes da história, vale lembrar que o francês Pierre de Fermat (1601–1665) ganhou o apelido de príncipe dos amadores, porque, a despeito da enorme contribuição que deu à matemática, ele era, originalmente, advogado e juiz de direito, na Corte Criminal de Toulouse.
Podemos pensar ainda em Albert Einstein, que hoje é ícone da genialidade científica, mas cuja biografia mostra notas ruins e significativo desinteresse por aquilo que era ensinado na escola. Reza a lenda que um professor seu chegou a dizer: “Você não vai dar em nada.”
Com essas histórias, não estou querendo dizer que não haja valor na educação formal — longe disso. Em primeiro lugar, nas várias histórias aqui relatadas, o conhecimento matemático organizado na escola, em competições, em artigos científicos ou de divulgação científica etc., teve papel crucial para despertar o interesse e a curiosidade.
Em segundo lugar, embora haja matemática acessível a todos, alguns avanços da história recente da disciplina exigem um grau impressionante de especialização para serem compreendidos. Por exemplo, o advogado-matemático Fermat formulou uma conjectura que desafiou os matemáticos por mais de 300 anos e que só foi provada por meio de um trabalho altamente sofisticado do matemático inglês Andrew Wiles, na década de 1990. Não é exagero dizer que poucas pessoas no mundo são capazes de compreender completamente o trabalho de Wiles, que conecta a conjectura de Fermat a estruturas avançadas da Teoria dos Números e das Curvas Elípticas.
Mas quero me concentrar nisto: há alguma matemática acessível para todos e cada um de nós.
O jovem Rafael descobriu uma fórmula que ganhou alguma visibilidade na mídia. Mas outros muitos Rafaeis, Anas, Brunos, Julianas... podem deduzir fórmulas, descobrir padrões, elaborar soluções criativas e novas para problemas antigos ou inéditos. E podem fazer isso tanto dentro quanto fora da sala de aula.
Entretanto, sua melhor chance de fazer matemática de verdade é dentro da escola — em aulas que não se limitem a apresentar resultados prontos, mas que permitam aos estudantes participar da construção e da validação do conhecimento matemático.
Afinal, fazer matemática é, em essência, participar de uma conversa milenar — e toda boa escola deveria abrir espaço para que mais vozes entrem nela.