"Bilhões e bilhões" é o título de um livro póstumo de Carl Sagan (1934 - 1996), astrônomo e célebre divulgador da ciência, que fez grande sucesso, em 1980, com a série de TV americana chamada Cosmos. De forma bem humorada, Sagan começa o livro com um artigo homônimo, explicando que o chavão "bilhões e bilhões" foi, digamos, colado a ele em função da performance humorística de Johnny Carson, que o imitava no programa Tonight Show. Ele mesmo - afirma categoricamente - nunca usou essa expressão, em função da sua imprecisão: seriam dois bilhões, vinte bilhões, um bilhão de bilhões?
A partir daí, Sagan se debruça sobre a popularidade do termo: por que "bilhões e bilhões" pegou? Ele nos conduz pelo seguinte raciocínio: se, antes, o milhão dominava a imaginação das pessoas quando pensavam em números grandes, na década de 1990, o milhão já se mostrava ultrapassado... O bilhão vinha ocupando seu lugar: à época, o mundo beirava 6 bilhões de habitantes; a idade da Terra era estimada em 4,6 bilhões de anos; o orçamento de defesa anual dos EUA previa importações de 300 bilhões de dólares... E, claro, havia todos aqueles bilhões de estrelas e galáxias - informações que o próprio Sagan contribuiu para divulgar. Mais: o trilhão, quando Sagan escreveu o artigo, já vinha despontando em muitas manchetes de jornal, para quantificar uma grande diversidade de grandezas. Mal sabia Sagan que, algumas décadas depois, conviveríamos com os trilhões quase cotidianamente, ao lidar com dispositivos de armazenamento de dados cuja capacidade é da ordem dos terabytes (cerca de 1 trilhão de bytes).
Porém, será que a maioria das pessoas compreende a diferença entre um milhão, um bilhão, um trilhão...? Pare um pouco e tente responder: quantas vezes um trilhão é maior que o milhão?
Se você se atrapalhou, saiba que isso é comum. Todos esses número têm uma grandeza incompatível com nossa experiência sensível cotidiana e só podemos apreendê-los por meio da imaginação e, claro, da linguagem matemática. Vamos esclarecer:
1 000: mil (um milhar)
1 000 000: milhão (mil milhares)
1 000 000 000: bilhão (mil milhões)
1 000 000 000 000: trilhão (mil bilhões ou um milhão de milhões)
1 000 000 000 000 000: quatrilhão (mil trilhões)
1 000 000 000 000 000 000: quintilhão (mil quatrilhões)
Depois do quintilhão, temos o sextilhão, o setilhão, o octilhão, o nonilhão, o decilhão... Se você quiser um exemplo de aplicação desses números enormes, Sagan informa que a massa da Terra, em gramas, é estimada em 6 octilhões.
Pode ser ainda que você esteja se perguntando: e depois do decilhão, vem o quê? Bem, se há um nome próprio para o número que equivale a mil decilhões, eu desconheço. Mas podemos escrever esse número com algarismos: seria o 1 seguido de 36 zeros:
1 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000: mil decilhões
Uma forma muito mais econômica de escrever isso é usando uma potência de dez, o que chamamos de notação científica:
1 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 = 10^36
Edward Kasner e James Newman, no fantástico livro "Matemática e Imaginação", citam uma conversa que teriam tido com um grupo de crianças, na qual as conduziram a pensar sobre a quantidade de gotas de chuva em Nova Iorque em determinado momento. As crianças começam estimando essa quantidade em 100, porque nunca haviam contado além disso; queriam expressar, assim, que seria uma quantidade enorme, a maior que conseguiam conceber. Mas, rapidamente, elas entenderam que precisavam e que poderiam expressar quantidades muito maiores, quando, por exemplo, consideraram a quantidade de gotas de chuva que cairiam em 24 horas... Em algum momento da conversa, surge um número realmente muito grande, que corresponde ao 1 seguido de 100 zeros. O sobrinho de Kasner, um menino de 9 anos à época, o batizou: "gugol" ou "google" (vou adotar, aqui, o termo em inglês, em função da popularidade que a empresa de tecnologia Google lhe deu).
10 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 = 10^100 = 1 google
Para se ter uma ideia concreta da grandeza de um google, os autores nos informam que a quantidade de grãos de areia de Coney Island - bairro litorâneo do Brooklyn, em Nova Iorque - pode ser estimada em 10^20, ou cerca de 100 quintilhões, um número bem, mas bem menor mesmo que um google. (Quantas vezes o google é maior que esse número? Consegue dizer?)
Segundo Kasner e Newman, mesmo para aplicações das ciências naturais (incluindo a astronomia, que nos dá números literalmente astrônomicos), um google é demasiado. Mas um google atesta, isso sim, a potência da nossa imaginação e da linguagem matemática. A contagem é um processo infinito, que nos leva, potencialmente, a números de qualquer magnitude. Para nos referirmos a eles, basta que tenhamos uma linguagem eficiente. E nós a temos: o sistema decimal posicional e a notação científica.
Vamos pensar, por exemplo, em um google de googles! Você consegue dizer quantos zeros esse número teria ou como poderia ser escrito em notação científica? Veja:
1 google de googles = 1 google x 1 google = 10^100 x 10^100 = 10^200
O sobrinho de Kasner também acabou por inventar um nome para um número ainda maior: googleplex, que seria equivalente ao 1 seguido de um google de zeros. Fica para pensar: como você o escreveria usando notação científica?
Referências:
Kasner, E.; Newman, J. Matemática e imaginação. 2a. ed. Trad. Jorge Fortes. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.
Sagan. C. Bilhões e bilhões: reflexões sobre vida e morte na virada do milênio. Trad. Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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