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Como encontrar o troco perfeito?

Foto do escritor: Aline MatheusAline Matheus

Você já tentou pagar uma conta em dinheiro e recebeu um troco estranho, cheio de moedas pequenas? Se já passou por isso, talvez tenha pensado: não haveria um modo melhor de dar o troco, com um menor número de moedas?

Embora o uso de cédulas e moedas tenha diminuído com o avanço dos pagamentos digitais, o estudo dos sistemas monetários continua sendo um tema fascinante. A matemática por trás do troco revela conceitos profundos de otimização, que vão muito além das transações do dia a dia e encontram aplicações em diversas áreas do conhecimento.

Uma estratégia bastante natural para obter o "melhor troco" é pegar, sempre que possível, a maior moeda disponível sem ultrapassar o valor desejado. Esse método, conhecido como estratégia gulosa, funciona localmente: a cada passo, escolhemos a opção que parece melhor naquele momento, sem pensar no que vem depois. No sistema monetário brasileiro, por exemplo, se queremos dar 75 centavos, pegamos uma moeda de 50 e uma de 25 — rápido e eficiente.

Mas será que a estratégia gulosa sempre nos dá a melhor solução? Nem sempre! Imagine um sistema de moedas com valores de 1, 3 e 4 centavos. Se precisarmos formar 6 centavos e seguirmos a estratégia gulosa, pegamos a maior moeda disponível, a de 4 centavos. Restam 2 centavos, que só podem ser formados com duas moedas de 1. Total: três moedas. Mas há uma opção melhor: apenas duas moedas de 3 centavos resolveriam o problema!

Isso nos leva a uma pergunta intrigante: o que faz com que alguns sistemas de moedas sempre permitam o uso da estratégia gulosa, enquanto outros não? Para entender melhor, vejamos um exemplo prático. No sistema monetário brasileiro, temos moedas de 1, 5, 10, 25 e 50 centavos, além da de 1 real. Se quisermos formar um valor como 87 centavos, a estratégia gulosa funciona perfeitamente:


  1. Pegamos a maior moeda possível, 50 centavos, restando 37.

  2. Depois, pegamos uma moeda de 25 centavos, restando 12.

  3. Em seguida, uma moeda de 10 centavos, restando 2.

  4. Finalmente, usamos duas moedas de 1 centavo.


No total, usamos 5 moedas, que é a melhor solução possível. Mas como podemos ter certeza de que isso acontece para qualquer valor?

Uma ferramenta poderosa para responder a essa pergunta é a indução matemática. A ideia da indução é semelhante ao efeito dominó: se conseguimos provar que a estratégia funciona para pequenos valores e que, sempre que ela funciona para um número, ela também funciona para o próximo, então conseguimos garantir que a propriedade vale para qualquer valor. No nosso caso, primeiro, verificamos se a estratégia gulosa funciona para os menores valores possíveis. Depois, mostramos que, se ela funciona para um determinado valor, então também funcionará para o próximo.


Vamos aplicar a noção de indução no caso do sistema monetário brasileiro:


  1. Observamos que a estratégia gulosa funciona para os menores valores, como 1, 5 e 10 centavos.

  2. Suponha que ela funcione para qualquer valor até um certo número V, ou seja, o troco ótimo pode ser obtido sempre escolhendo a maior moeda disponível sem ultrapassar V.

  3. Agora consideramos V+1. O algoritmo guloso escolherá a maior moeda possível, digamos M, tal que M≤V+1. O valor restante será V+1−M que, por hipótese de indução, já pode ser resolvido de maneira ótima. Como apenas acrescentamos uma única moeda a essa solução ótima, a quantidade total de moedas usadas para V+1 também será a menor possível.

  4. Como essa lógica pode ser repetida para qualquer valor, concluímos que a estratégia gulosa sempre funcionará para o sistema monetário brasileiro.


Obs.: Se adicionarmos as cédulas ao conjunto de valores disponíveis (2, 5, 10, 20, 50 e 100 reais), a estratégia gulosa continuará funcionando, garantindo o menor número de unidades monetárias necessárias para compor qualquer valor.


Um sistema monetário para o qual a estratégia gulosa sempre funciona é chamado de sistema canônico. A maioria dos sistemas monetários modernos são projetados para serem canônicos, facilitando transações eficientes e minimizando o número de moedas e cédulas necessárias para compor qualquer valor. Isso é feito através de uma escolha cuidadosa das valores, garantindo que qualquer quantia possa ser formada da maneira mais eficiente possível.

A matemática por trás das moedas nos ensina uma lição valiosa: nem sempre a escolha mais óbvia e imediata é a melhor a longo prazo. Na vida e na matemática, às vezes, vale a pena pensar alguns passos à frente antes de dar o troco!



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