top of page

Como são feitas as definições matemáticas?

  • Foto do escritor: Aline Matheus
    Aline Matheus
  • 25 de set.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 7 de nov.

Muitas vezes, o contato que temos com a Matemática na escola nos leva a acreditar que as definições matemáticas são ou completamente arbitrárias, como se tivessem sido “inventadas do nada”, ou então imutáveis e rígidas, como verdades que sempre existiram. Mas será que é realmente assim?

Entender como e por que os matemáticos constroem definições pode ser muito revelador sobre o funcionamento real da Matemática.

Vamos começar com um exemplo bem conhecido. Todo estudante aprende, em algum momento, que qualquer número elevado a zero é, por definição, igual a 1. Essa afirmação, no entanto, costuma causar estranheza: afinal, o significado mais imediato da potenciação é o de uma multiplicação de fatores iguais, em que o expoente indica quantas vezes o fator se repete. Nesse sentido, “elevar a zero” não faria nenhum sentido, já que seria o mesmo que multiplicar zero fatores.

Então, por que atribuir um valor a essa operação?

A resposta está em um movimento típico da Matemática: a ampliação do alcance das operações, propriedades e conceitos. Uma pergunta recorrente dos matemáticos é: será possível estender essa ideia para além do caso inicial? Podemos dar sentido à potenciação quando o expoente é zero? E quando o expoente é negativo? Ou fracionário?

Nesse processo de extensão, o significado original pode se perder ou se transformar. O que importa, sobretudo, é preservar a regularidade estrutural do conceito. Como lembra Keith Devlin, a Matemática é, em essência, a ciência dos padrões — e a busca por regularidades (ou pelas quebras delas) orienta grande parte de seu desenvolvimento.

No caso do expoente zero, não faz mais sentido pensar em “multiplicação de zero fatores”. Mas, para manter a estrutura da potenciação, é necessário que duas propriedades continuem valendo:

ree


Essas duas relações só permanecem consistentes se definirmos que qualquer número não nulo elevado a zero é igual a 1. Pelo mesmo raciocínio, expoentes negativos passam a significar a inversão da base, e expoentes fracionários se ligam a raízes.

Assim, vemos que definições matemáticas não são criadas de forma arbitrária, nem são intocáveis: elas são escolhidas de modo a preservar padrões e tornar o edifício matemático mais coeso e funcional.

Às vezes, as definições matemáticas também são feitas em nome da conveniência. Vejamos um exemplo.

Suponha que adotemos a seguinte definição:

“Um polígono regular é um polígono que possui todos os lados congruentes e todos os ângulos internos congruentes.”

Essa definição, à primeira vista, pode parecer perfeita: ela traz exatamente os atributos essenciais que associamos intuitivamente a um polígono regular. No entanto, observe o que acontece se a levarmos ao pé da letra: polígonos estrelados, com lados e ângulos congruentes, também passariam a ser classificadas como polígonos regulares.

Sejam n e k números naturais primos entre si, com n> 4 e 1<k<n-1. Um polígono estrelado n/k é o polígono complexo de n lados, obtido ao se dividir a circunferência em n partes congruentes, cujas extremidades são ligadas sucessivamente de k em k.
Sejam n e k números naturais primos entre si, com n> 4 e 1<k<n-1. Um polígono estrelado n/k é o polígono complexo de n lados, obtido ao se dividir a circunferência em n partes congruentes, cujas extremidades são ligadas sucessivamente de k em k.

E qual seria o problema? Afinal, por que não considerar também os polígonos estrelados como regulares?

Na verdade, não há nada de “errado” com as polígonos estrelados. O ponto é que eles não compartilham das mesmas propriedades que os polígonos regulares mais familiares, como o quadrado, o pentágono regular ou o hexágono regular.

Alguns polígonos regulares convencionais.
Alguns polígonos regulares convencionais.

A diferença fundamental está na simplicidade e na convexidade. Os polígonos regulares clássicos são simples - isto é, seus lados não se intersectam em outros pontos além dos vértices - e, além disso, são convexos - ou seja, não apresentam "reentrâncias". Já os polígonos estrelados são complexos e côncavos. Essa distinção é crucial: quando queremos estudar, por exemplo, a soma dos ângulos internos ou a medida de cada ângulo, os argumentos e fórmulas que funcionam para os polígonos regulares usuais deixam de valer para os polígonos estrelados. Seria preciso separar casos, criar exceções, acrescentar observações paralelas...

Para evitar essas complicações, os matemáticos preferem restringir a definição:

“Um polígono regular é um polígono convexo que possui todos os lados congruentes e todos os ângulos internos congruentes.”

Como a definição usual de polígono convexo já exige que ele seja simples, apenas a inserção desse adjetivo já aperfeiçoa a definição de modo a excluirmos os polígonos estrelados, ficando apenas com os polígonos regulares convencionais.

Esses dois exemplos — o da potenciação com expoente zero e o dos polígonos regulares — mostram que as definições matemáticas não são fruto de arbitrariedades nem de verdades imutáveis. Pelo contrário, elas são escolhas conscientes, feitas para preservar padrões, manter a coerência das propriedades e, muitas vezes, tornar o trabalho matemático mais simples e eficaz.


*Dica de leitura:

Se quiserem saber mais sobre polígonos estrelados, recomendo o artigo do Clube da Matemática da OBMEP: https://clubes.obmep.org.br/blog/um-pouco-sobre-poligonos-poligonos-uma-primeira-definicao-2/um-pouco-sobre-poligonos-uma-segunda-definicao-de-poligonos-2/

3 comentários


Jessica
11 de out.

Oi, Aline! Tudo bem? Eu amo suas postagens!!!! Sempre aprendo mais! Com a leitura me veio uma dúvida sincera, a estrela de cinco pontas tem todos os ângulos congruentes? Penso que há duas medidas de ângulos internos, uma medida que levaria a classificar o ângulo como agudo e outra que levaria a um ângulo côncavo. Pode me auxiliar nessa dúvida e sugerir leitura para ampliar meu repertório quanto polígonos não convexos? Obrigada

Editado
Curtir
Aline Matheus
02 de nov.
Respondendo a

Pronto! Post corrigido, graças a você, Jéssica! :) E também adicionei uma dica de leitura. PS: Note que os polígonos estrelados (que eu tinha em mente quando escrevi o texto) não é o mesmo que um polígono simples em forma de estrela. Uma estrela simples de cinco pontas, por exemplo, tem dez lados, e ângulos de duas medidas diferentes. Mas o pentagrama, que é um polígono estrelado, formado por vértices e cinco lados que se cruzam, sendo, além disso, equiângulo.

Editado
Curtir
Post: Blog2_Post
bottom of page