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Foto do escritorAline Matheus

O surpreendente infinito e o Hotel de Hilbert

Atualizado: 24 de set. de 2021


“Vejo, mas não acredito.”

Georg Cantor (1845 – 1918)



Uma parte é sempre menor que o todo que a contém, certo?


Não na matemática...


Segundo Boyer (1974), “desde os dias de Zeno que se falava em infinito, tanto na teologia como na matemática, mas ninguém antes de 1872 fora capaz de dizer exatamente do que estava falando.” Foi nesse ano, 1872, que o alemão Richard Dedekind (1831 – 1916) definiu precisamente o que caracteriza um conjunto infinito:


Diz-se que um conjunto S é infinito se e somente se existe um subconjunto próprio S’ de S tal que os elementos de S’ podem ser colocados em correspondência biunívoca com os elementos de S.


Em outras palavras, o que caracteriza um conjunto infinito é precisamente que é possível encontrar uma parte sua que tem tantos elementos quanto ele próprio. Ou, ainda, se você preferir: em um conjunto infinito, uma parte não é necessariamente menor que o todo que a contém.

Ficou difícil de imaginar? Pois foi pensando nessa dificuldade que outro matemático alemão, David Hilbert (1862 – 1943), elaborou um exemplo que se tornou célebre e que ficou conhecido como Hotel de Hilbert. Vejamos de que se trata.


Fonte da imagem: https://www.ias.edu/ideas/2016/pires-hilbert-hotel


Em uma série de palestras proferidas entre 1924 e 1925, na Universidade de Göttingen, Hilbert falou sobre o infinito em matemática, física e astronomia. Em uma dessas palestras ele usou o exemplo do hotel justamente para distinguir as características de um conjunto finito e de um conjunto infinito.

Em um hotel com um número finito de quartos, se todos os quartos estiverem ocupados, não haverá lugar para novos hóspedes. Mas, em um hotel com um número infinito de quartos, a lotação não é um problema. Se todos os quartos estiverem ocupados e um novo viajante chegar, basta pedir que cada hóspede se mude para o próximo quarto. Quem está no quarto de número 1 deverá se mudar para o quarto de número 2, quem está no de número 2 deverá se mudar para o de número 3... e assim por diante. Obviamente, esse sistema permitirá acomodar o novo hóspede no quarto de número 1.

Do ponto de vista matemático, o que isso nos mostra? Mostra que acrescentar um elemento a um conjunto infinito não muda seu “tamanho”. Aliás, pode ser útil introduzir aqui uma expressão mais precisa: a quantidade de elementos ou o “tamanho” de um conjunto é chamado de cardinalidade do conjunto. Portanto, em outras palavras, acrescentar um elemento a um conjunto infinito não muda sua cardinalidade.

Mas, se você pensa que as maravilhas do Hotel de Hilbert param por aí, está infinitamente enganado...

Já que podemos imaginar um hotel com infinitos quartos, ocupados por infinitos hóspedes, podemos também imaginar um ônibus com infinitos assentos, ocupados por infinitos viajantes. O que acontecerá se todos os viajantes desse ônibus chegarem ao Hotel de Hilbert – já lotado – e pleitearem infinitas acomodações?

O solícito gerente do Hotel de Hilbert não frustrará as expectativas dessa infinita caravana. Pedirá apenas que cada hóspede se desloque para o quarto cujo número é o dobro do número do quarto atual. Quem está no quarto de número 1 irá para o de número 2; quem está no quarto de número 2 irá para o quarto de número 4; quem está no quarto de número 3 irá para o quarto de número 6... e assim por diante. Com esse sistema, os antigos hóspedes ocuparão os quartos de número par. Já os quartos de número ímpar poderão acomodar tranquilamente os infinitos novos hóspedes.

Isso mostra que o conjunto dos números pares tem a mesma cardinalidade do conjunto dos números naturais, apesar de ser uma parte própria dele. A parte não é menor que o todo; é precisamente do mesmo “tamanho”. Isso pode ficar literalmente mais evidente se parearmos esses dois conjuntos, ligando cada número natural ao seu dobro.


Claro que só podemos exibir uma parte ínfima de cada um desses conjuntos. Mas é óbvio que esse processo de pareamento pode ser feito indefinidamente. Afinal, cada número natural tem um dobro “exclusivo”.

Incrível, não? Talvez você esteja fazendo coro com Cantor (de quem falaremos em um outro post): “vejo, mas não acredito”!



Referências:

  • BOYER, Carl B. História da Matemática. Trad. Elza F. Gomide. São Paulo: Edgard Blücher, Editora da Universidade de São Paulo, 1974.

  • PIRES, Ana. Hospitality at the Hilbert Hotel. In: Institute for Advanced Study (IAS) Website, 2016. Disponível em: https://www.ias.edu/ideas/2016/pires-hilbert-hotel Acesso em ago. 2021.

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