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O poder dos conhecimentos prévios na aprendizagem matemática

  • Foto do escritor: Aline Matheus
    Aline Matheus
  • 30 de set.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 7 de nov.

Se existe um consenso a respeito da aprendizagem, é que ela se apoia sobre aquilo que já sabemos. Nossos conhecimentos prévios são, sem dúvida, o fator mais poderoso para sustentar e direcionar as aprendizagens futuras.

No campo da matemática — tradicionalmente vista como uma disciplina construída progressivamente, “tijolinho por tijolinho” — essa afirmação pode soar como uma obviedade. Mas essa aparente obviedade pode ser uma armadilha que nos impede de aprofundar a nossa compreensão sobre como se dá o processo de aprendizagem.

Quando falamos em conhecimento prévio, não nos referimos apenas aos pré-requisitos escolares, do tipo: para aprender gráficos de função, é preciso antes conhecer o plano cartesiano. Na verdade, o conceito é mais amplo. Inclui tanto o conhecimento escolar desenvolvido anteriormente quanto um saber mais geral, ligado às múltiplas dimensões da vida do estudante.

As experiências de mundo do aprendiz, seus conhecimentos em outras áreas, sua bagagem cultural e até suas práticas cotidianas podem servir de ponte para novas aprendizagens. Para que isso aconteça, vale a pena mobilizar situações bem contextualizadas, que dialoguem com a realidade dos estudantes.

Pense, por exemplo, em uma turma aficionada por esportes. Nesse caso, é possível propor problemas matemáticos autênticos relacionados ao tema, explorando conteúdos como estatísticas, funções, probabilidades etc. Esse tipo de contextualização dá mais sentido ao estudo.

Mas há um cuidado importante: embora discutido há décadas, ainda é comum encontrar usos equivocados — contextos artificiais, forçados ou até absurdos, que em vez de aproximar, afastam os estudantes. Essa é uma discussão que merece ser revisitada em outra oportunidade. Por ora, quero explorar outra dimensão: as conexões intraescolares. Em outras palavras, como podemos, ao ensinar um novo tópico, nos apoiar naquilo que os estudantes já sabem?

Um exemplo prático

Tomo aqui um exemplo extraído e adaptado do relatório How Students Learn (National Research Council, EUA, 2005).

Suponha que queiramos introduzir a noção de taxa de variação média a estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental ou da 1ª série do Ensino Médio, no contexto do estudo de funções lineares e afins.

Podemos explicar que a taxa de variação média, em um intervalo [x', x''], é calculada pela razão entre as diferenças f(x′′)−f(x′) e x′′−x′. E que, quando essa taxa é constante para qualquer intervalo, temos uma função linear ou afim. Dentro de uma visão tradicional, não é difícil perceber que compreender esse conceito depende de outros previamente estabelecidos: diferença, razão, taxa, função, função linear etc.

Mas há uma diferença importante entre reconhecer a rede de conceitos relacionados e, de fato, identificar e ativar os conhecimentos prévios dos estudantes. Uma coisa é constatar que os conceitos se interligam; outra é planejar como explorar o que os alunos já dominam para apoiar o novo aprendizado.

Vejamos um experimento que explorou justamente essa problemática.

Um experimento

Os pesquisadores Mindy Kalchman e Kenneth R. Koedinger apresentaram a jovens que ainda não conheciam a ideia de taxa de variação a seguinte situação (aqui adaptada):

Jane participa de uma caminhada solidária. Para cada quilômetro percorrido, ela arrecada uma certa quantia em dinheiro para instituições de caridade. Existe uma regra (ou função) que define o valor arrecadado em função da distância percorrida, mas não sabemos qual é. O que sabemos é: se Jane caminhar 1 quilômetro, ganha R$ 3,00; se caminhar 3 quilômetros, ganha R$ 8,00.

Aos estudantes, foram dadas duas instruções diferentes:

  • Para metade do grupo, uma definição formal: a taxa de variação de uma função f no intervalo [x', x''] é dada por:

    ree
  • Para a outra metade, apenas uma definição informal: taxa de variação é “quanto a resposta aumenta a cada aumento de uma unidade no valor inicial”.

Então, os pesquisadores pediram que os estudantes descobrissem a taxa de variação na situação dada.

O resultado foi revelador.

Descoberta 1

Os estudantes que receberam a explicação informal conseguiram calcular a taxa de variação usando estratégias próprias, apoiadas em seu repertório prévio de resolução de problemas numéricos. Eles notaram, por exemplo, que entre 1 km e 3 km houve um aumento de R$ 4,00, o que significa um acréscimo de R$ 2,00 por quilômetro.

Descoberta 2

Já os estudantes que receberam a definição formal tiveram muito menos êxito. Isso porque apreender a noção nessa forma exige uma gama ampla de conhecimentos técnicos prévios. Sem atribuir sentido à definição e ao procedimento, os alunos ficam sem critérios para avaliar se o resultado obtido faz sentido ou não. Em outras palavras, não dispõem de mecanismos de controle de qualidade de sua própria atividade matemática.


O papel da formalização

A conclusão não é que devamos evitar as definições formais. Pelo contrário: elas são indispensáveis para que a matemática se mantenha uma ciência rigorosa, precisa e expansível.

O ponto é outro: partir da formalização, de imediato, pode ocultar os conhecimentos prévios relevantes dos estudantes. Por outro lado, quando a introdução se dá em termos informais, abre-se espaço para que esses conhecimentos venham à tona — e possam ser utilizados como alicerce da nova aprendizagem.

É nesse momento que entra o papel do professor: sistematizar, organizar e expandir o raciocínio dos estudantes. No exemplo, poderia-se representar graficamente a situação, variar parâmetros da função e, gradualmente, generalizar a noção de taxa de variação usando notação algébrica.


Um alicerce poderoso

Em resumo: os conhecimentos prévios dos estudantes funcionam como um alicerce poderoso para o desenvolvimento de formas mais sofisticadas de pensar matematicamente. Mas esse potencial não se revela espontaneamente. É preciso planejar intencionalmente situações de ensino que ativem e tornem visíveis os saberes já existentes, para que possam servir de base sólida à construção de novos conceitos.

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