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A repetição é importante para aprender matemática?

  • Foto do escritor: Aline Matheus
    Aline Matheus
  • 3 de out.
  • 4 min de leitura

A professora Adriessa Santos, especialista em Neurociência e Educação, compartilhou no LinkedIn um excelente texto intitulado “A repetição ajuda a aprender melhor?”. Nele, um trecho ficou ecoando no meu pensamento:

"Como sempre, tudo depende do que queremos aprender. Quando se trata de aprendizagem processual, como as habilidades motoras, a prática é importante e necessária. No entanto, quando se trata de adquirir conhecimento factual (dados, fatos) e conceitos (ideias, teorias), a ação que realmente consolida a informação na memória não é simplesmente revê-la, mas evocá-la: ou seja, recuperá-la da memória depois de aprendê-la."

Essa afirmação me fez lembrar de discussões recorrentes sobre a prática da revisão em sala de aula. Quase todo professsor, ao iniciar um novo conteúdo, sabe, ainda que de modo intuitivo, que é necessário retomar aprendizagens anteriores que servirão de base para as novidades. Por isso, com frequência, o começo da aula é dedicado a uma revisão.

Imaginemos um caso: um professor pretende introduzir equações quadráticas no 9º ano. Ele pode considerar adequado revisar, antes, os procedimentos de resolução de equações polinomiais de 1º grau. Então, no quadro, mostra como isolar a incógnita por meio de operações inversas que preservam a equivalência entre os membros da equação, preparando o terreno para aplicar a mesma lógica às equações quadráticas incompletas.

À primeira vista, parece uma boa estratégia. Mas há um problema: nesse movimento, quem constrói a ponte entre aprendizagens antigas e novas é o professor — o estudante apenas revê. De acordo com o que nos lembra Adriessa, seria muito mais eficaz criar uma situação em que os próprios alunos precisassem evocar o método do isolamento da incógnita, em vez de apenas acompanharem a exposição.

E como fazer isso? A própria autora nos dá pistas:

"Pensamos sobre o que aprendemos ao sugerir exemplos próprios ou ao imaginar as consequências desse conhecimento sobre outros fatos ou ideias. Também o fazemos ao comparar o novo conteúdo com outros conceitos ou objetos, analisando suas diferenças e semelhanças. Além disso, refletimos quando imaginamos aplicações, tentamos resolver problemas com base no novo conhecimento, buscamos padrões e, em suma, tentamos dar sentido ao que aprendemos."

Aplicando esse princípio ao exemplo anterior, o professor poderia propor que os estudantes analisassem a resolução de uma equação já resolvida, a partir de um roteiro de perguntas:

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Perguntas:

  • Explique com palavras: como essa equação foi resolvida?

  • Você conhece um nome para esse método de resolução de equações? Qual? Se não conhece, que nome você daria a ele? Por quê?

  • Qual é a função dos termos escritos em vermelho?

  • O que essa forma de resolução tem a ver com a ideia de "operações inversas"?

  • Use o mesmo método para resolver a equação - 4x + 12 = 16 x - 48.

  • Você acha que esse método pode funcionar para a equação a seguir? Por que sim ou por que não? Se achar que funciona, mostre como você faria.

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  • Que diferença você nota entre essa última equação e as duas anteriores?

Nessa sugestão, os estudantes são convidados a recuperar aprendizagens anteriores, refletir sobre elas, testá-las e ampliar seu alcance. O efeito é completamente diferente daquele obtido quando todo o trabalho cognitivo é realizado pelo professor e cabe ao aluno apenas acompanhar. É claro que não se trata de deixá-los sozinhos nessa tarefa: cabe ao professor mediar, discutir equívocos, acrescentar informações e apoiar quando algum conhecimento prévio não estiver suficientemente consolidado.

Queria ainda chamar atenção para o seguinte: o texto da professora Adriessa indica que esse tipo de evocação ativa é importante no caso de aprendizagens envolvendo aspectos conceituais, mas que, para aprendizagens procedimentais, é importante praticar. Então, voltando ao nosso exemplo, é importante refletir: a aprendizagem de métodos de resolução de equações é conceital ou procedimental?

A pesquisa em educação matemática já vem constatando, há muito, que repetir mecanicamente procedimentos não garante compreensão nem retenção duradoura. Para aprender de fato, é preciso articular a aprendizagem conceitual e a aprendizagem procedimental. No caso do nosso exemplo, é importante refletir sobre conceitos como equivalência, operações inversas e isolamento da incógnita. Mas, ao mesmo tempo, só a clareza conceitual não basta: é necessário praticar.

Praticar, contudo, não significa simplesmente enfrentar listas extensas de exercícios quase idênticos. Isso pode ser contraproducente porque, no mínimo, pode afetar negativamente a motivação para a realização da tarefa. Em vez de vinte equações semelhantes para resolver, por exemplo, uma lista com dez questões diversificadas pode ser mais eficaz, incluindo a resolução direta, mas também propostas tais como::

  • "Descubra o erro";

  • "Compare as duas resoluções e diga qual prefere e porquê";

  • "Crie uma equação e mostre como resolvê-la";

  • "Agrupe as equações que você acha mais parecidas entre si e explique seu critério".

Essa diversidade convida o estudante a pensar, não apenas a repetir.

Outro ponto destacado por Adriessa é o valor da repetição espaçada:

"A repetição massiva tem pouco efeito sobre a aprendizagem, sobretudo quando já se demonstrou que a informação foi aprendida. Entretanto, a repetição se torna válida quando é espaçada no tempo. Se nos permitimos esquecer um pouco do que aprendemos e depois praticamos novamente, o aprendizado se tornará mais duradouro."

Em outras palavras, praticar de forma variada e em diferentes momentos é o que ajuda a transformar o conhecimento em memória de longo prazo.

É isso! Em pleno século XXI, já não estamos às cegas: contamos com uma base sólida de achados científicos sobre como aprendemos. Considerar esses princípios ao planejar as aulas pode significar a diferença entre uma aprendizagem que se apaga logo e outra que se enraíza, gera compreensão e permanece. Revisar tem seu valor — mas evocar, refletir e praticar com diversidade e espaçamento é o que realmente consolida a aprendizagem.



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