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Conexões para uma aprendizagem significativa

  • Foto do escritor: Aline Matheus
    Aline Matheus
  • 2 de out.
  • 5 min de leitura

Outro dia escrevi um post aqui no blog sobre a importância de ativar os conhecimentos prévios dos estudantes, que podem servir de ponte para novas aprendizagens. Compartilhei o texto no LinkedIn e o leitor Tiago Rocha de Almeida trouxe duas perguntas muito interessantes, que reproduzo aqui:

Como faço para mapear os conhecimentos prévios e formas de pensamento de uma audiência?
Quais mecânicas e estágios me permitem fazer progredir situações de aprendizagem até os conhecimentos-alvo?

São duas questões estratégicas, que tocam o cerne do trabalho de quem ensina. E, justamente por isso, merecem atenção cuidadosa.

O que me chama a atenção, inicialmente, é que a formulação das perguntas já sugere a expectativa de que existam métodos estabelecidos e procedimentos quase garantidos: primeiro mapear, depois aplicar mecânicas, até chegar ao conhecimento-alvo. No meu modo de entender, entretanto, esse caminho não é tão linear nem tão fechado. Há diretrizes nos ajudam, sim, mas não um roteiro definitivo.

Para ilustrar isso, quero retomar o exemplo do outro post, que deu origem a estas reflexões. O conhecimento-alvo, naquele exemplo, era a taxa de variação média de uma função. Num livro didático ou numa sequência curricular, esse tema só apareceria depois de outros: equações, razões, plano cartesiano, funções etc. O currículo, afinal, é construído como uma progressão de conteúdos que devem servir de ponte para o próximo passo.

De fato, podemos identificar, na BNCC do 8º e do 9º ano, algumas habilidades que pavimentam esse caminho até a ideia de taxa de variação média de uma função:

  • (EF08MA06) Resolver e elaborar problemas que envolvam cálculo do valor numérico de expressões algébricas, utilizando as propriedades das operações.

  • (EF08MA07) Associar uma equação linear de 1º grau com duas incógnitas a uma reta no plano cartesiano.

  • (EF09MA06) Compreender as funções como relações de dependência unívoca entre duas variáveis e suas representações numérica, algébrica e gráfica e utilizar esse conceito para analisar situações que envolvam relações funcionais entre duas variáveis.

  • (EF09MA07) Resolver problemas que envolvam a razão entre duas grandezas de espécies diferentes, como velocidade e densidade demográfica.

Mas há um ponto crucial: a progressão só se concretiza quando o estudante a reconstrói em sua mente. Não basta que o currículo esteja ordenado como uma corrente de elos sucessivos; é preciso que o aprendiz ative e conecte cada elo à nova aprendizagem.

É por isso que uma primeira diretriz é: não basta o estudante “ter” determinado conhecimento prévio; ele precisa ser ativado no momento certo, em uma experiência que o conecte ao novo.

Na matemática, muitas vezes já possuímos repertório suficiente, mas só avançamos quando conseguimos articular esse repertório à nova questão. Daí a importância das boas perguntas, que funcionam como gatilhos de ativação.

Uma segunda diretriz é que aprendizagens só se tornam significativas quando acumulam camadas de relações. Um conceito, isolado, pouco significa; ele ganha sentido quando é colocado em diálogo com outros, quando se conecta a experiências, problemas e representações distintas. Como aprendi com o professor Nilson Machado, o conhecimento se organiza menos como uma corrente — em que cada elo se liga apenas ao próximo — e mais como uma rede de conexões complexas, em que cada nó se articula com muitos outros. Nesse sentido, cada novo aprendizado não é apenas “mais um elo”, mas o fortalecimento de uma teia de relações: quanto mais conexões interconceituais conseguimos estabelecer, mais denso e duradouro se torna o significado.

Voltando ao exemplo da taxa de variação: no post anterior, eu mostrei como a instrução dada pelos pesquisadores ativaram conhecimentos básicos dos estudantes sobre operações. Mas poderíamos escolher outros pontos de partida, inclusive não estritamente escolares. Um deles é o conceito de degrau.

Imagine propor aos alunos:

Se apoiássemos uma tábua longa, firme e bem reta nos degraus da escada da escola, vocês acham que ela encostaria em todas as quinas dos degraus? Por quê? Façam um desenho e expliquem seu raciocínio.

Com papel quadriculado em mãos, antecipo que eles dariam respostas do tipo:

“Se os degraus forem todos iguais, a tábua encostaria igualmente em todas as quinas.”
“Se algum for mais largo ou mais estreito, mais alto ou mais baixo, não encostaria em todos.”

Depois, eu mudaria a proposta: distribuiria gráficos de funções em papel quadriculado e pediria que os alunos imaginassem que fossem tábuas — algumas retas, outras curvas — e desenhassem sob elas degraus que se ajustassem perfeitamente.

A partir daí, eu poderia conduzir para a ideia de taxa de variação média. Por exemplo, exigir que cada degrau tivesse largura 1. Isso levaria à noção de “taxa unitária de variação”: constante nas retas, variável em outras funções. Daí, bastaria mostrar como essa taxa unitária se expressa algebricamente e, então, generalizar para a taxa de variação média.

Veja: “degrau” não é conceito matemático, mas é um conhecimento prévio da vida cotidiana, familiar ao aluno, que pode ser articulado com o novo conceito.

Então, para fechar esse texto, gostaria de voltar às perguntas do Tiago, dando uma resposta mais direta.

1. Como mapear os conhecimentos prévios e formas de pensamento de uma audiência?

Um primeiro caminho é nos valermos da própria estrutura dos currículos e dos livros-texto, que explicitam progressões possíveis de aprendizagem. Eles nos ajudam a supor quais conhecimentos podem ter sido trabalhados antes e quais se articulam naturalmente com o próximo passo. Mas é preciso ir além. Conhecer os estudantes, suas experiências de vida, seus interesses e práticas cotidianas é fundamental para enxergar conexões proveitosas. A metáfora do “degrau”, por exemplo, pode funcionar muito bem para alunos que vivenciam no dia a dia a experiência de subir uma escadaria na escola; em outros contextos, talvez seja outra imagem ou vivência que cumpra esse papel. Assim, mapear conhecimentos prévios não significa apenas verificar pré-requisitos escolares, mas também compreender repertórios mais amplos de cada grupo, que podem ser mobilizados como pontes para novas aprendizagens.

2. Quais mecânicas e estágios permitem progredir até os conhecimentos-alvo?

Mais do que um roteiro fixo, trata-se de combinar dois movimentos complementares. O primeiro é propor perguntas instigantes e problemas desafiadores que ativem os conhecimentos prévios, convidando os alunos a estabelecer conexões. Esse movimento ajuda a fazer emergir relações já presentes em sua rede de saberes. O segundo é a introdução intencional de novas ideias: há momentos em que o professor precisa, sim, explicitar um conceito, formalizar um procedimento ou oferecer uma representação mais elaborada. O desafio está em equilibrar esses dois movimentos — ativação e introdução/ensino direto — de modo que a aprendizagem não seja apenas a repetição de algo já sabido, nem a assimilação passiva de algo inteiramente novo, mas a construção de significados na fronteira entre o familiar e o inédito.

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