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Infinito não é número

  • Foto do escritor: Aline Matheus
    Aline Matheus
  • 19 de set.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 29 de out.

A noção de infinito é uma das mais belas e difíceis da matemática. Os resultados contra-intuitivos e curiosos a que nos leva já foram abordados aqui no blog, no post sobre o Hotel de Hilbert. Mas é um assunto que não se esgota — com o perdão do trocadilho conceitual.

Como o infinito é algo difícil de conceber, muitas vezes fazemos uma aproximação equivocada, trocando-o por números muito grandes. Por exemplo, alguém poderia ingenuamente pensar que existem infinitos grãos de areia nas praias dos mais de 7 mil quilômetros de litoral brasileiro. Essa quantidade é muito difícil de conceber e de estimar... Existe uma impossibilidade prática de contá-la diretamente, o que leva à ideia de que ela é "incontável" e, daí, que ela é infinita. Mas isso é fruto de uma série de escorregadelas semânticas e conceituais. Por maior que seja essa quantidade, ela é finita: é um número.

Aliás, não é à toa que esse exemplo dos grãos de areia me ocorre. Arquimedes, já no século III a.C., escreveu um livro chamado O Contador de Areia, em que se propôs a estimar o limite superior da quantidade de grãos de areia que caberiam no universo. Para isso, ele precisou estimar o tamanho do universo de acordo com o modelo da época e inventar uma forma de falar sobre números extremamente grandes. Os interessados podem saber mais sobre o assunto numa bela matéria do IMPA, neste link. O fato é que Arquimedes chegou a um número da ordem de 10^64. Um número enorme, mas, ainda assim, finito.

O infinito, de fato, não é um número. E, quando o tomamos como se fosse, acabamos chegando a resultados ilógicos. Veja o caso a seguir:

ree

Podemos não saber exatamente quanto vale S, mas é fácil notar, pelo padrão apresentado, que ele não pode ser negativo — afinal, é a soma de parcelas positivas, todas maiores que 1. Assim, o resultado que obtivemos é um absurdo. E de onde vem esse absurdo? De termos tomado S como um número.

Mas aqui é preciso parar e pensar com mais cuidado. S é uma adição de infinitas parcelas. A cada parcela acrescentada seu valor muda. Então, é até difícil supor que S tenha um valor fixo.

Bem, o que sabemos é que cada parcela dessa adição infinita é um termo de uma progressão geométrica (PG) de razão maior que 1. Ou seja, trata-se de uma PG crescente. Em outros termos, as parcelas crescem exponencialmente. Isso implica que, dado qualquer limite superior para essa soma, ele poderá ser ultrapassado, bastando que tomemos uma quantidade adequada de parcelas. Não faremos uma demonstração formal desse fato, que nos parece uma afirmação razoavelmente intuitiva.

Quando não é possível estabelecer um limite para uma adição infinita como essa, dizemos que ela é divergente: ela "explode", não tem resultado numérico e sequer tem um limitante superior.

Porém, o que exige ainda mais atenção é que, às vezes, funciona bem tratar uma adição infinita como se seu resultado fosse um número. Veja, por exemplo, este outro caso, muito similar ao primeiro:

ree

Dessa vez, de cara, o resultado já não é absurdo. Ele é maior que 1, o que faz sentido, já que a primeira parcela é 1 e, a partir dela, acrescentam-se parcelas que diminuem exponencialmente (agora temos uma PG de razão inferior a 1). Na verdade, usando uma representação pictórica, podemos facilmente nos convencer da validade desse resultado:


ree

Suponha que os quadrados maiores tenham, cada um, área unitária. Então, considere a área pintada de vermelho. Ela representa a nossa soma. E fica claro que essa área é 1 (quadrado completo, à esquerda) acrescida de 1/3 do quadrado à direita. Ou seja, 4/3​.

Isso significa que, dessa vez, a adição infinita tem um resultado finito? Que ela é um número?

Não. O que ocorre é o seguinte: novamente, temos uma adição com infinitas parcelas. Em cada ponto em que paramos, a soma muda. Assim, sequer podemos dizer que existe uma soma, no sentido usual, porque ela está sempre mudando a cada nova parcela adicionada.

Porém, dessa vez, é possível encontrar um valor que limita a soma. Aliás, é possível encontrar infinitos valores que limitam a soma. Por exemplo: essa soma nunca chega a 2, por mais parcelas que sejam adicionadas. Também nunca chega a 10, ou a 100, ou a 2.473. Mas, de todos os números que limitam essa soma, o menor é 4/3​. Nenhum número inferior a 4/3​ é capaz de limitá-la, porque sempre conseguiremos ultrapassá-lo acrescentando mais parcelas. Ao mesmo tempo, por maior que seja o número de parcelas, nunca chegaremos a 4/3​.

Ou seja: neste último caso, a adição de infinitas parcelas não tem um resultado finito, mas tem um limite. Por isso, dizemos que ela é convergente.

A conclusão é: mesmo que às vezes pareça, não, infinito não é número.

2 comentários


Jacó
19 de set.

Demais!!!! Parabéns pelo post, você tem uma clareza invejável, mesmo para um assunto tão denso. beijo

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Aline Matheus
03 de nov.
Respondendo a

Muito obrigada, Jacó!

Beijo!

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