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Foto do escritorAline Matheus

É errando que se aprende - promoção de camisetas

Atualizado: 6 de mai.

Há muito tempo, no campo da Educação, defende-se o valor do erro. Isso não significa que o erro seja uma meta, obviamente. Então, qual é o sentido de "abraçar" o erro em Educação? Vamos lá:

  1. Erros podem indicar que uma estamos ampliando nosso desenvolvimento. Afinal, quando não erramos nada, provavelmente não estamos sendo desafiados em nossas capacidades, mas ao contrário: estamos dentro da nossa zona de conforto.

  2. Erros podem revelar os raciocínios (equivocados) presentes em certas etapas de uma aprendizagem, ajudando no processo de ensino... E, quando entende o raciocínio do estudante, o professor ou a professora pode intervir de modo muito mais assertivo!

  3. Não há inovação e criatividade se não houver "permissão para errar"! Em ambientes em que o erro é percebido como fracasso, ou em que existe o medo de errar, as pessoas não se arriscam a experimentar novas ideias ou novas formas de resolver problemas. (Neste vídeo aqui, o renomado professor e pesquisador Lee Shulman expõe essa ideia de forma inspiradora!)

Notem: não se trata de ter uma postura omissa a respeito do erro! Enquanto professores, temos a responsabilidade de apontá-los, trabalhar sobre eles, corrigi-los... O ponto aqui é a forma como o fazemos: transmitindo a ideia de que errar é fracassar ou valorizando a porta que se abre para o raciocínio genuíno de quem está aprendendo?

Então, este post inicia um conjunto de posts em que vamos nos debruçar sobre erros matemáticos. Com isso, esperamos contribuir para que você - que ensina Matemática - fique mais confortável frente ao erro, se anime a analisá-lo, a tentar desvendar o raciocínio dos estudantes... criando um ambiente propício à criatividade e à inovação na sua sala de aula.

O erro que vamos explorar hoje não se originou na sala de aula, mas na vida fora da escola. Hoje cedo, minha querida amiga e colega Bárbara Born me mandou isto aqui (obrigada, Bá!):

Antes de seguir a leitura, te proponho algumas questões:

  1. Qual é o erro?

  2. Por que você acha que esse erro foi cometido?

  3. Que intervenção você faria para ajudar a pessoa que cometeu o erro a avançar na sua compreensão matemática?

Agora que você já pensou um pouquinho, vou compartilhar minhas respostas com você!


1. Qual é o erro?

A camiseta, que custava R$ 60,00 sofreu um desconto de R$ 15,00, passando a custar R$ 45,00. Porém, a pessoa que escreveu o cartaz expressou esse desconto não em reais (R$), mas em porcentagem. Isso está errado, porque R$ 15,00 representa a quarta parte ou 25% do preço original, não 15%.

Se realmente ela quisesse dar um desconto de 15% no preço da camiseta, seria preciso fazer este cálculo:

15% de R$ 60,00

0,15 x 60 = 9

Portanto, com um desconto de 15%, o preço da camiseta passaria de R$ 60,00 para R$ 51,00, não R$ 45,00.


2. Por que esse erro aconteceu?

Essa é a pergunta mais legal de tentar responder! Mas, como não temos acesso à pessoa que escreveu o cartaz, vamos trabalhar apenas com conjecturas.

A resposta fácil é: o erro aconteceu porque a pessoa que escreveu o cartaz não sabia calcular porcentagem e achou que 15% de R$ 60,00 seria R$ 15,00. Mas... será mesmo? Ou: será que é só isso?

Façamos um questionamento que inverte um pouco as coisas: será que a intenção original era dar um desconto de 15% ou era mesmo dar um desconto de R$ 15,00? Olhando para o modo como o cartaz está escrito, eu fico mais inclinada a pensar que a intenção era mesmo dar um desconto de R$ 15,00.

Se eu estiver correta nessa conjectura, talvez o "15% off" tenha sido a última coisa que essa pessoa escreveu no cartaz... Ela achou que, para indicar um desconto, não bastava dizer quanto custava e quanto custa agora; seria preciso indicar uma porcentagem. E, nesse caso, isso revela mais que a ausência de domínio sobre o cálculo da porcentagem, mas também que existe uma identificação equivocada entre dois conceitos: o de desconto e o de porcentagem. (A Bárbara Born "matou" de primeira essa confusão!)

Aliás, quero chamar atenção para uma possibilidade intrigante: pode ser que, se você pedisse para a pessoa que escreveu o cartaz calcular 15% de 60, ela o fizesse de forma correta. Mas, quando ela fica livre para agir de forma espontânea numa situação concreta, a concepção equivocada de que "desconto é sempre em porcentagem" emerge com mais força que o procedimento de cálculo previamente aprendido. Ela não transfere o conhecimento formal para essa situação, mas se vale dessa ideia equivocada, que está mais arraigada.

Esse fenômeno está documentado no campo da Educação Matemática. Bruno D'Amore, por exemplo, em seu livro "Elementos de Didática da Matemática", publicado no Brasil em 2007, pela Livraria da Física, dedica todo um capítulo à discussão dos conceitos de "conflito","misconception", "modelos intuitivos" e "modelos parasitas". Não pretendo me alongar nesses conceitos, mas deixo registrado o seguinte excerto, que resume a ideia central:

"O estudante constrói para si uma imagem de um conceito C; ele acredita que essa imagem é estável, definitiva. Mas, em certo momento de sua história cognitiva, recebe informações sobre C que não são contempladas pela imagem que ele possuía. Ele precisa então adequar a velha imagem a uma nova, mais ampla, que não apenas conserve as precedentes informações, mas contemple também as novas." (p. 130)

No nosso caso, se se admite que é isso que está acontecendo, o sujeito construiu uma imagem de que desconto é expresso em porcentagem. Se, ao aprender sobre porcentagens, não houve oportunidade para aprimorar de forma explícita a conexão entre os dois conceitos, confrontando a inadequação dessa imagem, ela permanece em sua mente, ainda que em contradição com as novas aprendizagens.


3. Como ajudar a pessoa que cometeu o erro a avançar em sua compreensão matemática?

A resposta a essa pergunta fica muito dependente da nossa interpretação anterior sobre porque esse erro aconteceu. Então, o ideal seria, primeiramente, confirmar nossas conjecturas dialogando com a pessoa que escreveu o cartaz: qual era sua intenção original, dar R$ 15,00 ou 15% de desconto? O que ela faz se você pedir que ela calcule 15% de 60 ou mesmo outras porcentagens? Como ela explicaria o que é desconto?

Caso as conjecturas que elaborei se confirmassem, seria muito importante propor que a pessoa examinasse diferentes situações envolvendo a prática de desconto e diferentes situações envolvendo o uso da porcentagem, de modo que ela pudesse reelaborar explicitamente a relação entre esses dois conceitos, por meio de perguntas reflexivas propostas pelo professor. E, claro, não seria demais reforçar o conceito de porcentagem e diferentes formas de cálculo percentual, de modo que a pessoa venha a ser capaz de reconhecer prontamente que 15 é a quarta parte de 60 e que isso equivale a 25%.


Até a próxima!


  • Referência bibliográfica:

D'AMORE, B. Elementos de didática da Matemática. Trad. Maria Cristina Bonomi. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2007.






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