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Números “ish” e a matemática da vida real

  • Foto do escritor: Aline Matheus
    Aline Matheus
  • 5 de set.
  • 4 min de leitura

No 6º Seminário de Mentalidades Matemáticas, realizado no dia 22/08/2025, ouvi algo que me fez pensar: a ideia dos ish numbers. O termo foi apresentado por Jo Boaler, que, ao lado de Cathy Williams, vem transformando a forma como entendemos o ensino da Matemática.

O conceito me chamou a atenção porque parece simples e, ao mesmo tempo, profundo.


O que significa ish?

No inglês, o sufixo -ish aparece em várias situações do cotidiano: reddish (avermelhado), thirty-ish (uns 30 anos), soon-ish (daqui a pouco, mais ou menos). Ele indica aproximação, flexibilidade, margem de erro aceitável.

Assim, quando falamos em ish numbers, estamos falando em números “mais ou menos”, “ali por perto”. É um convite para trabalhar com ordens de grandeza, estimativas rápidas, plausibilidade numérica — em vez de só exigir resultados exatos.


A pouca ênfase na escola

A fala da Jo Boaler me fez questionar se, na escola, damos ênfase suficiente à habilidade de estimar, tão central na vida cotidiana.

Será que os alunos em idade escolar sabem se a distância da sua casa até a padaria é de cerca de 300 m ou de 3 km? Será que dispõem de estratégias para pensar sobre quantas crianças cabem na arquibancada da quadra? Quantas balas há em um pacote de ½ kg?

E vou mais longe: nós, adultos, temos habilidade de fazer essas estimativas?


A matemática das profissões

Essas ideias me lembram de uma entrevista que fiz para a seção Matemática nas profissões, aqui no blog.

Ricardo Lobo, à época CEO de uma multinacional, contou que teve medo da matemática escolar, mas acabou cursando engenharia. Hoje, no entanto, a matemática que realmente importa no seu trabalho não é a das fórmulas exatas, mas justamente essa:

  • estimar rápido,

  • julgar ordens de grandeza,

  • avaliar se um número faz sentido.

Ou seja: a matemática ish.


Uma experiência recente

Lembrei também de outra vivência. No último ano, venho atuando como assessora de Matemática do Behring Academy, projeto voltado ao ensino de programação e matemática avançada para jovens talentos de 14 a 17 anos.

Como o grupo reúne estudantes de todo o Brasil e as atividades acontecem remotamente, uma vez por ano a Fundação Behring promove um encontro presencial imersivo. No encontro de 2025, organizamos uma gincana de matemática e lógica. Inspirados pelo Estimathon, uma das tarefas era estimar a quantidade de balas em um grande pote de vidro.

Os jovens são brilhantes, mas essa tarefa se mostrou mais difícil do que prevíamos. A experiência reforça a conjectura de que a matemática escolar não exercita de forma suficiente as habilidades de estimar números e grandezas. Em outras palavras, não inclui a matemática ish.

 

Por que estimar importa?

Além da importância prática, trabalhar com aproximações traz duas consequências pedagógicas poderosas:

  1. Evita respostas disparatadas.

    Estimar antes de calcular com precisão ajuda a verificar se o resultado obtido na solução de um problema faz sentido no contexto. Essa discussão — entre pares e com o professor — fortalece o senso crítico.

  2. Reduz o medo da matemática

    Como destacou Jo Boaler, os estudantes se sentem menos intimidados: percebem que não precisam acertar exatamente, basta chegar perto — e que isso também tem valor.

Claro que a precisão é importante na matemática. Mas não se trata de escolher entre uma coisa ou outra: trata-se de equilibrar resultados exatos e aproximados, reconhecendo o lugar dos ish numbers tanto na vida quanto na aprendizagem.

 

O desafio da tradução

Em português, não temos uma expressão que corresponda perfeitamente a ish. Temos a palavra “estimativa”, claro. Mas ela pode soar mais técnica, escolar, até pesada. Diferente do ish, que é leve, coloquial, quase divertido.

  • Se um professor pergunta “Qual é sua estimativa?”, o aluno pode sentir que precisa de um método formal para estimar.

  • No inglês, a pergunta “What’s the ish number here?” soa muito mais informal. A expectativa muda: qualquer aproximação razoável já vale.

É essa diferença de tom que abre espaço para a experimentação, para o erro produtivo e para a intuição numérica.

No seminário, Jo Boaler chegou a sugerir o verbo “matematicar” para remeter a essa ideia de procurar números aproximados. Inclusive, o título do seu livro, Math-Ish: Finding Creativity, Diversity, and Meaning in Mathematics, foi traduzido para o português como Matematicando: Encontrando Criatividade, Diversidade e Significado na Matemática.

"Matematicar" soa criativo, mas me parece distante do sentido original, que não é “fazer matemática” e sim aproximar.

Talvez a melhor saída didática não seja inventar uma palavra nova, mas aproveitar expressões já vivas em português:

  • “uns…” → uns 20 minutos, uns 300 reais

  • “na casa dos…” → na casa dos 200 mil

  • “lá pelos…” → lá pelos 15%

  • “coisa de…” → coisa de 50 pessoas

  • “mais pra…” → mais pra 500 do que pra 5 mil

  • “aproximadamente...” → aproximadamente mil

Professores também podem criar códigos internos, que, bem trabalhados pedagogicamente, podem até funcionar como marcadores afetivos desse tipo de matemática:

  • “número assim-assim”

  • “número vizinho”

  • “número quase”

Mais do que a palavra em si, importa legitimar essa prática de aproximação. Quando o estudante arrisca e ouve “boa, esse é um número na casa dos…”, ele sente que sua intuição também tem valor.

 

Conclusão

O trabalho com aproximações informais – que podem ir se tornando cada vez melhores com a exercitação – têm o potencial de criar uma nova atmosfera para aprender matemática.

  • Aproxima a disciplina da vida real.

  • Reduz a rigidez do certo/errado.

  • Valoriza o senso numérico e a intuição.

Em português, não temos uma palavra tão oportuna para isso como ish. Mas temos expressões ricas que podem — e devem — ser adotadas e adaptadas em sala de aula.

O convite dessa abordagem é abrir espaço para uma matemática mais humana, flexível e próxima daquilo que, de fato, usamos no dia a dia.

Para quem quiser conhecer mais, recomendo o vídeo do YouCubed e o site a seguir:


Até a próxima!

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