Matemática divertida e despretensiosa... nas férias!
- Aline Matheus
- 4 de jul.
- 4 min de leitura
"A educação não é uma preparação para a vida; a educação é a própria vida." (John Dewey)
Hoje, quero usar este espaço para relatar e refletir sobre uma experiência pessoal.
Primeiro, uma contextualização: esta semana, estou afastada do trabalho e minha filha Clara, de sete anos, acabou de entrar em férias - estamos as duas aqui em casa, com tempo - o que é raro e precioso! Agora, vamos ao assunto: no último dia de aula dela, houve uma gincana de matemática na escola e ela voltou para casa feliz por ter ganhado medalha de prata, mas também um pouco frustrada por não ter levado o ouro. Comentou que algumas das perguntas que não acertou envolviam conteúdos que ela ainda não havia aprendido.
Não sei quão precisa é essa análise, considerando que se trata de uma criança de sete anos, mas sei que é comum que, na tentativa de aumentar o desafio, professores acabem incluindo conteúdos ainda não trabalhados com os alunos. E isso não gera exatamente um desafio: vira uma questão binária — ou se tem aquele repertório, ou não se consegue responder.
De todo modo, para ajudar a desfazer a frustração, além de dizer que uma medalha de prata era algo excelente - e que apenas participar também é excelente! -, também disse a ela que eu iria lhe propor alguns desafios, se ela quisesse. Ela se animou. Vale dizer que, por eu ser professora de matemática, ela tem uma visão positiva da disciplina. E isso já é uma baita vantagem, considerando que a representatividade e a mentalidade diante da matemática são fatores importantes não só para o sucesso, mas também para vivenciá-la com fruição.
Pegamos papel e caneta, e passamos praticamente dois dias muito prazerosos resolvendo desafios juntas! Busquei explorar, de maneiras variadas, ideias relacionadas à composição e decomposição de dezenas e centenas, como apoio à realização de adições e subtrações. Ela pôde usar o ábaco aberto, de pinos, para fazer as trocas. Por conta própria, usou também o quadro de valor posicional que aprendeu na escola.
Mas o mais interessante desses desafios foi que eles iam além da técnica: envolviam visualização, representação, reversibilidade das operações, ideias intuitivas de dobro e metade, configuração retangular da multiplicação... Foi muito rico. Em um desses momentos, por exemplo, a configuração retangular permitiu que ela vislumbrasse, de forma significativa, a comutatividade da multiplicação.
Penso que a escola vem fazendo um trabalho adequado com as operações de adição e subtração, bem como com o sistema decimal. Ainda assim, percebo que é possível ser muito mais criativo na proposição de problemas que desenvolvam flexibilidade numérica e outros tipos de pensamento matemático, sempre em conexão com as operações numéricas elementares.
Fiquei tão empolgada com essa experiência de prazer, conexão e diálogo matemático com minha filha que acabei postando uma foto nos stories do Instagram, comentando que a matemática é tão divertida que vira atividade de férias aqui em casa.
O que me surpreendeu - mas talvez não devesse - é que recebi várias mensagens de mães pedindo ajuda. Mesmo com crianças tão pequenas, os relatos mostram que a maioria das escolas ainda atropela a construção de sentido e o desenvolvimento do pensamento matemático, em favor do acúmulo rápido de conteúdos. O resultado não é novidade: tentativa de decoreba, desinteresse, rejeição pela matemática e, muitas vezes, baixa autoestima.
Essa problemática é, há anos, meu campo de trabalho. Mas nunca havia interagido diretamente com alunos tão jovens. Iniciei a docência no Ensino Médio e, depois de um breve período nos anos finais do Ensino Fundamental, concentrei minha atuação na formação docente e na avaliação da aprendizagem. Por isso, a experiência como mãe tem me conduzido a compreender, de forma mais concreta e afetiva, como começam as dificuldades com a matemática — e como elas podem ser superadas.
Infelizmente, não tenho uma “receita” pronta para oferecer às mães que me procuraram. O sucesso da nossa gincana caseira não resultou de um único fator — e tem raízes em uma construção de longo prazo. Foi fruto da articulação entre:
uma representação positiva da matemática;
o estímulo constante e deliberado à mentalidade de crescimento;
a escolha criativa de atividades com alta qualidade matemática;
a sensibilidade para os sinais que a jovem aprendiz foi dando durante a jornada;
e, talvez o mais importante, a fruição compartilhada.
Fazendo agora conexão com o aforismo atribuído a Dewey, citado no início do texto: não vivenciamos essa experiência para que a Clara, a partir dela, venha a se sair melhor na escola, na próxima gincana... ou em qualquer objetivo futuro. Vivemos porque vivemos. Porque foi significativo. Porque foi vida em si.
Posso, sim, oferecer algumas dicas para quem deseja ajudar seus filhos a construir uma relação mais saudável com a matemática — e pretendo fazer isso em postagens futuras, de maneira mais didática. Mas cada vez me parece mais claro: para que um adulto consiga, de fato, ajudar uma criança com a matemática, é preciso, antes de tudo, curar a própria relação com a disciplina.
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