Fotocopiadora Potência Total: explorando potências no ensino fundamental
- Aline Matheus
- 9 de jun.
- 4 min de leitura
Recentemente, tive o prazer de participar de um projeto voltado à formação de formadores, centrado na recomposição das aprendizagens. Entre as várias estratégias formativas utilizadas, uma delas foi a análise coletiva de uma sequência didática construída segundo a lógica do planejamento reverso.
Nessa sequência, propus uma atividade para estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental, intitulada Fotocopiadora Potência Total. A ideia era explorar os significados das potências de expoentes inteiros – positivos e negativos – por meio de uma metáfora simples e visual: a de uma fotocopiadora programável.
A fotocopiadora, nesse cenário, operava com quatro tipos de programas: B2 (potências de 2), B3 (potências de 3), B5 (potências de 5) e B10 (potências de 10). Cada programa aceitava códigos inteiros, positivos ou negativos. Um código positivo ampliava a imagem segundo a base do programa; um código negativo a reduzia. Por exemplo, B2 com código 2 multiplicaria as dimensões por 2² = 4. Já B2 com código -1 dividiria por 2, aplicando 2⁻¹.

Aos estudantes, seriam propostas tarefas como: interpretar comandos e seus efeitos, calcular fatores de ampliação ou redução, escolher o programa e código adequados para alcançar determinado resultado, analisar comandos equivalentes e, por fim, explicar matematicamente como essas transformações ocorrem.
Durante o curso de formação, um colega ficou responsável por mediar a discussão dessa atividade com os formadores. O grupo se deteve especialmente na tarefa de investigar se comandos diferentes poderiam, eventualmente, gerar o mesmo efeito sobre a imagem. De imediato, surgiu um consenso intuitivo: em qualquer programa, o código zero resultaria numa cópia fiel da imagem original, já que toda base elevada a zero é igual a 1.
Mas, excluindo esse caso trivial, será que dois comandos distintos poderiam levar ao mesmo resultado? A pergunta instigou os participantes, mas o tempo limitado da formação impediu uma investigação mais aprofundada. Fiquei com vontade de seguir pensando e, por isso, trago essa conversa para cá.
Do ponto de vista matemático, a pergunta se traduz da seguinte forma: existem inteiros p e q, e bases a e b distintas entre 2, 3, 5 e 10, tais que a^p = b^q? Em outras palavras: dois comandos diferentes poderiam, em algum momento, produzir a mesma ampliação ou redução?
Vamos começar pelo caso dos expoentes positivos. Basta observar o comportamento típico das potências de cada base:
As potências de 2 geram números pares: 2, 4, 8, 16, 32… Nenhuma delas termina em 0, já que não há fator 5 em sua composição.
As potências de 3 são sempre ímpares e terminam em 3, 9, 7 ou 1.
As potências de 5 terminam invariavelmente em 5.
As potências de 10 terminam sempre em 0.
Esses padrões já nos dizem bastante: nenhuma potência de 2, por exemplo, pode coincidir com uma potência de 5, nem com uma de 3 — seus algarismos finais denunciam suas origens. Mas o argumento mais decisivo está no próprio coração da aritmética.
Pelo Princípio Fundamental da Aritmética, todo número natural maior que 1 tem uma única decomposição em fatores primos. Se duas potências de bases diferentes resultassem no mesmo número, suas decomposições seriam obrigatoriamente idênticas. Isso só é possível se as bases compartilham exatamente os mesmos fatores primos. Ora, 2, 3 e 5 são primos entre si, e 10 é composto por 2 × 5. Portanto, nenhuma potência de 2 poderá ser igual a uma potência de 3 ou de 5 ou de 10 — exceto, claro, no caso trivial do número 1 (código zero), onde todas as potências se igualam.
Agora, e se incluirmos expoentes negativos? O raciocínio permanece. A igualdade a^p = b^q com p ou q negativos, continua implicando que os inversos multiplicativos de a^p e b^q sejam iguais. Mas, novamente, se as bases são distintas e primas entre si, não há como obter o mesmo resultado. Os inversos também conservarão a assinatura única de suas decomposições.
Em resumo, não há dois comandos distintos – exceto quando o código é zero – que levem ao mesmo fator de ampliação ou redução. Cada combinação base + código (com base entre 2, 3, 5 e 10 e código inteiro) leva a um resultado único.
Mas o que essa discussão nos revela sobre aprendizagem?
Durante a formação, certamente muitos dos presentes conheciam bem o Princípio Fundamental da Aritmética. No entanto, ele não foi imediatamente mobilizado na análise da tarefa. Isso não significa que os formadores não dominassem o conteúdo — mas mostra como, mesmo com conhecimentos sólidos, nem sempre conseguimos ativá-los no momento certo, diante de um problema real. Conhecer uma ideia não é o mesmo que saber usá-la.
Essa distância entre conhecer e mobilizar o conhecimento é um dos maiores desafios da educação matemática – tanto para estudantes quanto para professores. Desenvolver a capacidade de transferir conhecimentos para contextos novos requer prática deliberada, enfrentamento de situações autênticas e tempo para refletir sobre os caminhos que percorremos para chegar a uma resposta.
A atividade da fotocopiadora, no fundo, é uma desculpa lúdica para exercitar esse tipo de pensamento: relacionar ideias, reconhecer padrões, fazer conjecturas, testar, justificar... tudo aquilo que nos aproxima de uma matemática viva. E talvez esse seja um dos papéis mais bonitos de uma boa tarefa: não apenas ensinar um conteúdo, mas criar um espaço em que o conhecimento possa ganhar vida.
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